Em pleno inverno, e em altura de pico da gripe, as notícias de caos nas urgências hospitalares sucedem-se. Horas infindáveis de espera, incapacidade de dar resposta, profissionais e utentes descontentes. Os políticos responsáveis pela saúde dizem que está tudo bem e melhor que há alguns anos atrás, os políticos que gostavam de ser responsáveis pela saúde argumentam que está tudo cada vez pior. Na perspectiva de quem trabalha semanalmente num serviço de urgência (às vezes duas vezes durante a semana), há claramente razões para que o funcionamento das mesmas ande longe da perfeição: 1. Falta de recursos humanos.
Nao vale a pena atirar areia para os olhos: médicos, enfermeiros e auxiliares são menos que há alguns anos. A política de contenção levou a que não se renovassem contratos, e as equipas de urgência estão desfalcadas. Houve muita gente a pedir reforma antecipada, outros optaram por sair do país. Também temos de contar com o facto de a partir dos 50 anos ser possível deixar de fazer trabalho nocturno, e a partir dos 55 anos os médicos poderem mesmo deixar de prestar serviço de urgência. E depois temos pouca gente a fazer o trabalho de muita, e a exaustão instala-se, com repercussão no trabalho – e na saúde das pessoas (utentes e profissionais).
2. Falta de material.
Mais outro assunto tabu, que às tantas ninguém confirma nem desmente, com medo de represálias. A verdade é que há inúmeros casos relatados por todo o país de escassez de material básico, como luvas, gel, resguardos para as marquesas ou papel e toners para as impressoras. Podem faltar vacinas ou reagentes para fazer determinadas análises. A ideia principal é a contenção, por isso o investimento em material para que nunca falte parece ser coisa do passado. É claro que os fornecedores só entregam depois do pagamento, o que torna o dia a dia na urgência numa estratégia de gestão de quem lá está, com o que efectivamente há disponível para o diagnóstico e tratamento dos doentes.
3. Falta de recursos nos cuidados primários de saúde – os Centros de Saúde
Mais de um milhão de portugueses não têm médico de família. Ora o médico de família é fundamental no bem-estar de toda uma família, vigiando a saúde, prevenindo a doença. É no Centro de Saúde que se devem fazer rastreios e despistes de inúmeras doenças e incentivar uma vida saudável. Se não temos médico de família, então tudo se desmorona pela base – e vamos ter, com certeza mais pessoas doentes, e mais recurso ao serviço de urgência e hospitais.
4. Falta de condições sócio-económicas para sobreviver ao Inverno (e ao dia-a-dia)
Lembramo-nos sempre da Troika cada vez que se pensa em contenção e crise. O que é facto é que temos todos menos dinheiro para aquecer as casas, para alimentos saudáveis, para ir regularmente ao médico. E se pensarmos nos milhares de idosos que vivem sozinhos e não têm condições, por exemplo, para aquecer a casa perante temperaturas muito baixas, então temos de pensar que a probabilidade de adoecerem é muito elevada. E por isso, vão recorrer inúmeras vezes aos serviços de urgência.
5. Falta de informação da população
Quem trabalha numa urgência constata que uma percentagem assustadoramente elevada de doentes que lá recorrem não têm um motivo urgente para ser vistos. Muitas das vezes têm um determinado problema há meses, e por não terem médico de família acabam por recorrer ao hospital. Ou querem fazer um teste de gravidez. Ou mil-e-uma-outras-razões que têm pouco de urgente, e que implica que esperem horas, porque a triagem vai dar prioridade às situações efectivamente urgentes. Claro que todos os doentes acabam por ser vistos, porque até se ter o diagnóstico final, não podemos rotular de “situação não urgente”, mas muitos evitariam estar ali horas há espera se soubessem que é fundamental recorrer primeiro ao médico de família – e ele sim, se constatar que é uma situação urgente, referencia para o hospital ou para onde achar adequado.
Mas provavelmente já toda a gente sabe destes pontos anteriores.
E aposto que muitos experts em gestão já se debruçaram sobre o problema, na tentativa de o resolver. O que é facto é que o cenário não é bonito. E é preciso arregaçar as mangas e fabricar soluções, porque Portugal tem dos melhores serviços nacionais de saúde a nível mundial – e não o queremos estragar. (esta crónica e outras aqui)
Já tenho planos para o ano novo. Ou melhor, programa para a passagem de ano, tudo minuciosamente planeado : tenho roupa escolhida, calçado, acessórios. Local e companhia. A maquilhagem vai ser leve e vou dispensar os brilhantes. Nada de salto alto, nada de anéis nem unhas pintadas. O mesmo sorriso de sempre na cara (espero). Bom, talvez não esteja tudo assim tão bem planeado, porque tudo o resto faz parte da imprevisibilidade da vida: à meia-noite tanto poderei estar a beber uma taça de champanhe e a comer as doze passas, como poderei estar de bisturi na mão, a ajudar a vir a este mundo mais um bebé. Se calhar até poderá ser o bebé do ano. Ou alguém que daqui a algumas décadas ocupe o cargo de primeiro-ministro português (num país finalmente fora da crise), um futuro Cristiano Ronaldo ou um bancário de um dos novos bancos que vão surgindo. A verdade é que quando nos aproximamos do final do ano, temos tendência a fazer um balanço do que passou. E depois decidir o que gostaríamos para o futuro. Eu não sou muito de fazer balanços nem listas de decisões para o ano que vai vir. Mas uma coisa sei: 2014 foi um ano de desafios extraordinariamente difíceis. Desde o trabalho (com cada vez mais portugueses a procurarem soluções fora do país, e condições de trabalho em deterioração), passando pela saúde (com cada vez mais problemas nos nossos hospitais e centros de saúde, que vamos resolvendo à custa da boa-vontade de todos), pela família (a natalidade a descer assustadoramente e os apoios sociais a serem insuficientes), pela política (crises a sucederem-se e a percebermos que afinal nada é como pensávamos), até pelo clima (com um ano sem estações e com dias de clima extremo inesperado). Mas as coisas boas acontecem todos os dias – só precisamos estar atentos. Apesar de tudo há bons amigos, bons colegas, boas famílias. Pessoas que se preocupam. Momentos únicos. Dias de sol. E o carrossel continua sempre a girar. Por isso, apesar de não fazer listas de decisões para 2015, o blog vai continuar. E as “Crónicas de Saída de Urgência” também. E espero dentro em breve trazer mais novidades (porque o sonho comanda a vida!) Que o ano 2015 nos traga muitas coisas boas!
Para quem ainda não conhece o icote, carreguem no link e naveguem um pouco por lá - é um site extraordinariamente útil para quem anda à procura de trabalho, estágio ou simplesmente quer perceber como funciona o mercado de trabalho. E também lá há crónicas e opiniões de pessoas de várias áreas. Hoje é dia de mais uma "Crónica de Saída de Urgência". Podem lê-la aqui.
Já sabemos que o adiar da maternidade é um problema da sociedade moderna. A entrada no mercado de trabalho, a subida na carreira, as condições de vida, tudo isto tem influenciado as mulheres relativamente ao timming em que decidem ser mães. Cada vez mais escolhemos ter filhos mais tarde, e de facto, a carreira é um dos principais factores que nos influencia nesta escolha. Gostávamos que as coisas fossem diferentes - pelo menos em Portugal. Apesar de tudo o que se diz em prol da maternidade, e do incentivo à natalidade, sabemos que anunciar uma gravidez no local de trabalho equivale a um sismo de 6,9 na escala de Richter. Que a trabalhadora grávida vai ter de faltar para ser acompanhada nas consultas e fazer exames. Que vai ter de tirar licença nos primeiros meses do bebé e amamentar. Que vai faltar quando os filhos estão doentes. Por isso, desde o aparecimento daqueles 2 tracinhos no teste de gravidez, que a alegria de sermos mães se mistura com a hipótese muito provável de sermos aquela a quem não renovam o contrato. Ou que não é escolhida para aquele cargo de chefia com responsabilidade, porque acham que não vamos conseguir dar conta da família e da responsabilidade laboral. E sabemos que diariamente há uma pressão extrema de produtividade, quase bullying laboral, com exigência para fazermos horas extraordinárias para as quais poderíamos dizer não, mas que aceitamos fazer com receio de ficar desempregadas. E se explicamos que temos filhos a nosso cuidado e não conseguimos fazer aquele trabalho extra que nos propõem, somos ameaçadas com um "Olhe que não estamos interessados em fazer contrato com quem não tem disponibilidade total". Sim, isto tudo acontece. Em todas as profissões, incluindo a minha. E nesta sociedade em que o interesse máximo vai para a produção, e os resultados (trabalho, trabalho, trabalho é o lema), eis que surgem agora empresas que oferecem às funcionárias um novo serviço para terem disponibilidade total: congelação de óvulos (podem ler aqui e aqui). A Apple e o Facebook vão ser das primeiras a garantir às funcionárias a congelação de óvulos, que custa perto de 7900 euros, mais cerca de 395 euros mensais para manter os óvulos congelados. Ou seja, estamos a promover o atrasar da maternidade para "depois", porque o "agora" é de produtividade. Na nossa sociedade não interessa promover a família, termos famílias grandes ou estarmos tempo juntos. O que interessa é produzir. E consumir. Muita gente pode achar esta medida excelente. A mim leva-me para o "Admirável Mundo Novo" do Huxley, onde toda uma sociedade é criada em laboratório. E assusta-me. Um processo de congelação de ovócitos e processo de fertilização in vitro não são exactamente um passeio no parque (há riscos no processo, que é complicado), e devem ser feita nas situações em que é mesmo preciso, mas e nas outras? E o amor e as outras emoções? Então e queremos ser pais na altura em que devíamos ser avós? E são as entidades patronais que decidem as nossas vidas? E quando é que vai ser o timming ideal? Parece-me tudo muito estranho. Muito artificial. E gostava de um mundo onde se incentivassem as mulheres a ter filhos na altura em que biologicamente sentem que querem ser mães, que houvesse horários flexíveis, possibilidade de part-time nos primeiros anos dos filhos (em que é necessário um maior apoio e disponibilidade), entidades patronais compreensivas. Locais de trabalho com creche para os filhos ficarem, que estivessem abertos 24 horas se necessário (porque há casos em que fazemos turnos de 24 horas e se não tivermos ninguém com quem deixar os filhos, onde ficam?). Não, não fico imensamente feliz e esperançada por haver empresas a pagar congelação de óvulos às suas funcionárias. Fico com a sensação que este "congelar para depois" nos vai custar muito caro - num futuro próximo. E que agora, o que precisamos é de bebés. De crianças para construir novas mentalidades. E de famílias unidas e que tenham tempo para conversa e passar tempo juntas.
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