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Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

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O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

Crónicas de uma interna #13

Avatar do autor , 24.10.13

Há alturas difíceis na vida de um médico.
O exame de fim de especialidade é definitivamente um desses momentos. 
Sabe bem agora que já passou. 
Mas andei quase duas semanas com uma taquicardia persistente, sensação constante de náusea, um nó no estômago e um aperto no peito. 
A sensação que em três dias tinha de provar que era uma boa obstetra/ginecologista, numa terra estranha, a um juri desconhecido, causa ansiedade. Vontade de reler todos os livros que andam aqui por casa outra vez (e outra vez). Sensação de ter a cabeça cheia de informação, percentagens, estadiamentos, e ter medo de não me lembrar na hora H. 
Depois, o pensamento que andei 6 anos a trabalhar, a estudar, a treinar para isto. Saber que era capaz mas ter medo que o stress levasse a melhor. 
E claro, dias fora de casa implica deixar a família e ir sozinha travar o último desafio (ou um dos primeiros).
Andei a planear as coisas ao milímetro. O estudo. Os recados. Os dias. 
E claro que no dia de ir para a minha batalha em pleno alentejo, as coisas foram saindo todas ao contrário: nada de mousse de chocolate, porque estava nauseada até mais não com o stress, nada de estar calma e tranquila, porque nesse dia exacto, tinha de ter um problema com o carro. (Pronto, consegui ir cortar o cabelo.)
Deixei recados com as coisas importantes dos miúdos, apesar de saber que ele tem tudo controlado. Não consegui relaxar. 
E lá fui de viagem, passar a noite num quarto de hotel, acordar n vezes durante a noite a achar que já era hora de começar o exame ou que precisava de rever alguma coisa.
Tive a sorte de ser muito bem recebida num hospital que não era o meu, de ter ao meu lado pessoas fantásticas. Respirei fundo muitas vezes. No início trememos (por dentro) mas depois lá nos orientamos. Eu e as outras internas, neste ritual de passagem da carreira médica. (claro que assim que comecei o exame, ligaram-me da escola do mais pequeno a avisar que ele estava com febre - matemático nestas situações.)
Ao fim do primeiro dia tinha a sensação que me tinha passado um comboio por cima - e ainda faltavam mais dois. A adrenalina é uma coisa tramada. À noite tentei relaxar como pude,e acabei com a novela da TVI como fundo enquanto revia os Consensos do Cancro Ginecológico. 
Depois passou-se o segundo e o terceiro dia. Dei o meu melhor apesar do aperto no estômago. Estive tentada a ceder aos beta-bloqueantes mas resisti. E correu bem. Muito bem. 
E o que soube mesmo bem foi chegar à última prova e saber que era a última. E que depois acabava. Acabavam os meses infindáveis de estudo, o tempo que não pude passar com os miúdos ou com ele, os sítios que não pude visitar, o verão que não consegui aproveitar. Acabava e finalmente todo o trabalho era reconhecido.
Mas acima de tudo acabava e podia voltar para abraçar a M. e o P. e lhes dizer que agora si, podiamos ir fazer aquele pic-nic que estava prometido.

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