Confissões de uma médica: as escolhas que fazemos por amor
, 21.03.19
Na primeira consulta vieram os dois.
Estavam a tentar uma gravidez há 5 anos. Tinha chegado a altura de pedir ajuda, disseram-me. Conversamos sobre ambos e pedi uma série de exames, o habitual quando queremos perceber o que se passa para não se conseguir o filho desejado.
Na consulta seguinte, ela veio sozinha. Todas as consultas são importantes, mas ele não tinha mesmo conseguido estar presente.
Estive a rever os exames dela e parecia tudo bem.
Depois ela tirou o envelope com os exames dele. O espermograma dizia “azoospermia”. Perguntou-me o que queria dizer.
“Lamento muito, mas significa que não se encontraram espermatozóides no exame. A causa de não conseguirem engravidar será muito provavelmente esta.”
Ela ficou pensativa. “Então não sou eu?”.
“Não me parece. Mas há alternativas e alguns exames adicionais que podem fazer e com reprodução medicamente assistida podem conseguir uma gravidez”.
Ela sorriu. “Obrigada por toda a ajuda dra”. E depois despediu-se.
Fiquei confusa e perguntei-lhe se tinha percebido e o que queria fazer.
“Nada” disse com convicção.
E depois confessou-me que iria dizer ao marido que o problema era dela, que os exames dele estavam normais, e que ia ser difícil terem filhos, mas que a vida ia continuar.
Que não lhe podia dizer que ele não podia ter filhos porque o ia perder. E o que eles tinham era algo insubstituível. Aceitava que não teria filhos mas ficaria com o amor da sua vida. E porque não adotar?
Saiu tranquila e a sorrir, deixou-me a pensar nas escolhas que fazemos na vida.