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Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

Os obstetras também se enganam

Avatar do autor , 01.12.18

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Às vezes há falhas. Ninguém é perfeito. É perfeitamente possível alguém se enganar numa ecografia, na identificação do sexo do bebé. Entre outras coisas. Treinamos anos a fio, estudamos constantemente, mas há multiplos fatores que nos podem influenciar no nosso trabalho.

"Parece-me uma menina!", podemos dizer nós. E às tantas, na ecografia seguinte, o cordão umbilical que estava a tapar um "apêndice" importante mobilizou-se e afinal...é um menino. Nem sempre é fácil dar estas notícias - explicar que aquela menina com que falamos todas as noites na barriga é afinal um menino, mas ninguém tinha dado por isso. 

Há surpresas que afinal são bem recebidas, outras nem por isso.

Mas depois, há aquelas MEGA SURPRESAS.

 

Como a história daquela grávida que entra no meu consultório para a ecografia morfológica, às 20 semanas.

Gosto de fazer perguntas para perceber se tem tudo estado a correr bem, e de ir conversando com as pessoas. A gravidez, diz-me ela, tem estado a decorrer tranquilamente, mas o seu médico ainda não sabe se é menino ou menina - e o casal está muito ansioso por ter essa informação.

Começo o exame e fico momentaneamente baralhada. Reparam no meu ar confuso e reafirmam que lhe têm dito que está tudo bem com o bebé. "Não está?"

Volto a olhar para o ecrã . Tive uma noite tranquila, dormi bem , não estou cansada, o ecógrafo é bom. No entanto, podia jurar que estou a ver DOIS BEBÉS. 

Sim, são dois. Uma placenta, duas bolsas. Duas cabeças, 4 pernas, 4 braços. Não estou a imaginar. Mas os pais pensam que é só UM BEBÉ.

" Hum...acho que temos aqui uma pequena surpresa."

(aquele olhar de suspense dos progenitores)

"Bom...por algum motivo ainda ninguém tinha percebido mas...."

"Diga-me dra, é um menino???? Sim???"

"Sim! Na verdade é um menino! Ou melhor, são dois meninos! Parabéns! Vão ter gémeos verdadeiros, dois meninos!"

Aquele silêncio de choque.

Aquele momento em que eu continuo a olhar para o ecrã para me certificar mais uma vez que são dois, e que não sou eu que me estou a enganar - mas em simultaneo a pensar que poderia ter sido eu a falhar.

E mostro no ecrã as duas cebecinhas, lado a lado, como que a trocar confidências. A rirem em segredo por terem conseguido passar 20 semanas sem ninguém se ter apercebido.

"Ai valha-me Deus!" suspira a mãe, ainda a tentar interiorizar a notícia. "Então é por isso que tenho tanta fome! Vês, não estou nada gorda, são dois!".

 

E é isto. Temos de ver sempre o lado positivo das coisas.

 

O nosso instagram, aqui.

 

 

 

 

Das coisas boas da medicina

Avatar do autor , 02.11.18

Muita gente acha que os médicos têm de ser frios. Duros como pedra. Que aprendem a não sentir e que não têm qualquer ligação com os pacientes. Que é isto que nos ensinam na faculdade: a manter a distancia. Que só assim conseguiremos ser bons no que fazemos, porque nos focamos no diagnóstico e no tratamento, e não nos distraímos com a pessoa.

 

Na realidade, das coisas que mais gosto na medicina, é esta oportunidade de conhecer as pessoas.

Sim, tenho de fazer ecografias, saber se há risco de parto pré-termo e identificar sem pestanejar uma pré-eclâmpsia. Mas bolas, é maravilhoso ver um casal chorar de felicidade por ter finalmente um teste de gravidez positivo ao fim de muitos anos de batalha por um filho. É extraordinário poder observar o crescimento de um bebé nas ecografias, ver a felicidade da mãe quando sente os primeiros pontapés. Fico sem palavras perante a emoção dos pais ao pegar pela primeira vez no filho recém-nascido.

 

E é impossível não partilhar lágrimas e sorrisos - porque as emoções, os sentimentos, o caminho, são partilhados pelo médico e pelo paciente. Não consigo, ao fim de nove meses de consultas e de um parto, não ver as minhas pacientes como minhas amigas - e aquele abraço sentido que me dão na consulta do pós-parto faz-me sentir que é por isto que vale a pena ser médico. Pelas pessoas. Que passam a ser parte de mim. Porque eu também passei a fazer parte da história delas.

 

É a partilha que faz sentido e que nos torna humanos.

 

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Expectativas de irmão mais velho

Avatar do autor , 17.01.18

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Levar o futuro irmão mais velho a uma ecografia de gravidez da mãe pode ser uma verdadeira aventura.

Muitos pais vão cheios de entusiasmo por mostrar ao filho as imagens do irmão que ainda está na barriga. Planeiam filmar a reação e vão entusiasmados com a emoção desse primeiro encontro.

 

A realidade, na maioria das vezes, passa bem ao lado do planeado: os miúdos pequenos muitas vezes acham mais piada ao ecógrafo e aos mil botões com luzes do que à imagem preta e branca no ecrã - e mostram muito pouco interesse pela imagem que os pais lhe dizem ser "o mano".

Alguns assustam-se com o som do batimento cardíaco do bebé, outros é a única coisa que acham piada - e passam o resto do exame a pedir para repetir aquele som de um galope de cavalo a alta velocidade.

Os que têm interesse na imagem fazem muitas vezes uma interpretação - tipo arte abstrata - e às tantas já estão ali a ver um piano ou os dentes do lobo mau.

 

 

 

Coisas que se passam dentro da barriga da mãe

Avatar do autor , 16.11.16

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Dia de ecografias obstétricas.

Entra uma grávida com o marido e uma filha pequena. Ela, com a curiosidade típica de quem tem 4 anos, começa logo por dizer que vem ver o mano.

Aproxima-se do ecógrafo e de mim, e fica muito atenta ao ecrã a preto e branco.

Quando vê uma bolinha, grita logo muito alto:

 

- A cabeça, estou a ver a cabeça do mano!!!!

 

Digo-lhe que é muito boa em ecografia, e mostro-lhe melhor a cabeça do bebé.

Ela fica contente, muito orgulhosa (porque o pai diz que não está a perceber nada!) e avança sem medos para o resto do exame.

 

- Os dentes! Estão ali os dentes! Tão GRANDES!

 

Lá lhe explico que aquela imagem que parece uma fileira de dentes é, afinal, a coluna vertebral.

Fica contente porque afinal o mano não se parece com o lobo mau. E não desanima.

 

- A mão! Estou a ver! Consigo ver a mão do mano!

 

Numa certa altura, estou a avaliar o cordão umbilical com o doppler, e há cores no ecrã.

Ela não percebe bem o que se passa e lá lhe explico que é o cordão umbilical, e que é por ali que o bebé se alimenta.

Fica pensativa.

 

- O cordão está SEMPRE a levar comida? E a mãe já me disse que ele está dentro de água!

Afinal a vida dele é só NADAR e COMER?

Quando é EU que posso voltar para a barriga da mãe?

 

 

 

 

 

Os pokemons também vão ao médico

Avatar do autor , 25.07.16

Entrou um casal no consultório com a filha.

Ela com uma linda barriga de grávida, ele com ar de pai orgulhoso, a miúda com um telemóvel em punho e ar de caça.
Comecei a consulta como habitualmente, tudo tranquilo e sereno, e lá fomos fazer a ecografia para ver como estava o bebé a crescer.

Pais entusiasmados (nestes momentos há sempre alguma expectativa de saber se está tudo bem), futura irmã mais velha concentrada no ecrã do telemóvel.


Começo a mostrar a cara da bebé, os lábios, o nariz.

Diz a grávida:
- Querida, olha ali a mana no ecrã!


A miúda levanta os olhos - e o telemóvel ao nível do ecrã e grita:


-Está aqui um! Apanhei um! Eu sabia! Adoro-te mana, afinal também és boa nisto!


E pronto, criam-se laços para a vida das maneiras mais estranhas possíveis - e eu aprendi que afinal nas barrigas das mães também podem existir pokemons!

 

(que mundo este!)

 

Captura de ecrã 2016-07-25, às 19.12.29.png

 

Surpresa!

Avatar do autor , 15.06.16

Entra um casal sorridente no consultório.

Barriga de segundo trimestre, estão aqui para a ecografia morfológica.

Dizem logo que não querem saber o sexo do bebé, querem que seja surpresa. Querem saber se continua tudo bem com o bebé (já tinham feito uma ecografia antes) mas só isso, nada de imaginar um quarto rosa ou azul.

 

Começamos a Ecografia.

 

Pergunto eu: "Já tinham feito uma ecografia anterior a esta, certo?"

Resposta unânime e afirmativa, e estava tudo bem, tinha-lhes dito o médico.

 

 

-Então-pergunto eu- de qual dos bebés é que não querem saber o sexo? 😉

 

(sim, aparentemente um dos gémeos escondeu-se tão bem que ninguém tinha dado por ele até as 22 semanas!)

 

Tenho de começar a ter um chá de camomila no consultório para servir às grávidas antes destas noticias inesperadas.

 

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Momentos em que uma médica não sabe o que dizer

Avatar do autor , 08.10.15

Dos momentos que não sei o que dizer (nem como o dizer):


quando estou a fazer ecografias, entra uma grávida para a do primeiro trimestre e confessa-me que já não tem idade para estas coisas (tem 43 anos), que isto foi tudo um descuido e que já tem 3 meninas lindas em casa.

Não sabe bem como vai ser esta gravidez porque se sente cansada e a barriga parece tão grande (acha que já está a comer por dois!).


Assim que pouso a sonda na barriga dela e vejo dois sacos com dois fetos aos pulinhos e com dois corações vigorosos, interrogo-me como é que posso dar a notícia de que, afinal, vai ter gémeos (2 filhos a juntar aos 3 lá de casa) sem provocar um ataque cardíaco à senhora.


Depois do choque e de Nosso Senhor Jesus Cristo ser invocado várias vezes, na gestão da crise, lá acaba por dizer:
"Bem, afinal posso comer por 3!"

 

(há que ver sempre o lado bom das coisas)

 

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