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Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

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O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

Sobre as voltas que a vida dá

Avatar do autor , 30.12.18

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Era a primeira consulta comigo. Uma mulher jovem, bonita, com menos de 30 anos. Primeiro, disse-me que estava ali para uma consulta de ginecologia de rotina. Mas à medida que lhe fui fazendo perguntas para contruir a sua história clínica, percebi que o motivo não era esse.

 

Foi então que ela me contou o que a estava a preocupar. Estava a estudar, na faculdade. A família não tinha grandes posses e ela tinha de trabalhar em simultaneo com o estudo para ajudar em casa, o que estava a fazer com que o curso se arrastasse por não ter tempo para mergulhar nos livros.

 

Um dia, ouviu por uma amiga de uma amiga que era fácil para mulheres novas como elas ganhar um bom dinheiro fora de Portugal - bastava ir a uma clínica, fazer uns medicamentos e deixar que lhe retirassem os óvulos. Não lhe pareceu muito complicado e já ajudava na parte financeira. Refletiu pouco tempo sobre o assunto, sabia que usariam os óvulos para mulheres que não conseguissem ter filhos, mas tudo o que dizia respeito a maternidade ainda estava longe do seu pensamento. 

 

Claro que para se ser dadora de óvulos teve de fazer uma consulta de avaliação geral e exames prévios. E foi então que lhe disseram - ela não era uma boa candidata. Não era?  Porquê?

 

Disseram-lhe que a sua "reserva ovárica" era muito baixa, apesar dos seus 23 anos - provavelmente uma condição genética. Por outras palavras, mesmo que fizesse a medicação, iriam ter poucos ou nenhuns óvulos para recolher. O que não lhes interessava, pois queriam mulheres que tivessem uma grande quantidade de óvulos para recolher, para serem doados ao maior número de mulheres infertéis possível.

E para além disso, tinham descoberto outra situação - disseram-lhe que teria "endometriose", o que complicava ainda mais todo o processo.

Veio de lá confusa e queria perceber o que tudo isto significava.

 

Subitamente, deu por si a pensar em filhos. Aliás, deu por si a pensar na possibilidade de não poder ter filhos - afinal, era o que todas aquelas palavras difíceis que lhe disseram significavam, não? E apesar de ainda não ter tentado, apesar de ainda não ter encontrado a pessoa ideal para partilhar os desafios da parentalidade, já estava a sentir uma perda, bem lá no seu interior.

E dizia-me que é curioso como a vida pode mudar em poucos instantes - e que agora, só pensava em engravidar o mais cedo possível, para aproveitar as baixas probabilidades que tinha, antes que se esgotassem, definitivamente. 

 

A verdade é que a vida nos troca as voltas e as prioridades.  E o relógio biológico não pára e segue o curso que nos está destinado. Quantas de nós terão algum problema em engravidar quando decidirmos que está na altura? Provavelmente muitas. Neste momento estima-se que cerca de 20% dos casais a nível mundial têm dificuldade em ter um filho sem qualquer ajuda. Vamos adiando a maternidade porque nunca temos as "condições ideias" e a vida prega-nos partidas.

 

Noutras vezes, dá-nos a oportunidade de ainda irmos a tempo. 

 

Estamos pelo instagram, aqui.

 

 

Confissões de uma Médica #16: sobre o destino

Avatar do autor , 06.07.17

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Não sei bem o que é isso do "destino". Custa-me pensar que temos a nossa história pré definida. Gosto mais de pensar que viver é ter perante nós um emaranhado de escolhas, que cada dia, cada instante conta para o que fazemos da nossa vida. E que temos o poder de a escrever do modo que entendemos.

 

Ouço muitas vezes a expressão "pronto, não tinha de ser". Aquela expressão que assume um destino inevitável, que não podemos controlar, do qual não podemos fugir. 

 

Quando se tenta ter um filho e não se consegue, muitos casais assumem que é coisa do destino - "não tinha de ser".

Mas a verdade é que gerar vida é muito mais misterioso e complexo - mais até do que está coisa do destino. Acredito piamente que não fazemos a mínima ideia da maioria dos factores que interferem com a magia da vida - não é possível que seja "só" a junção de dois gâmetas.

 

E há muitas histórias a provar que o "não tinha de ser" pode mudar a qualquer instante.

 

O casal com uma infertilidade "inexplicada", que depois de anos e anos de exames, medicamentos, fertilizações in vitro, assumiu que "não tinha de ser", ficaram em paz consigo mesmos, e 3 meses depois da última consulta de infertilidade tiveram uma gravidez espontânea - e hoje, um bebé lindo nos braços.

 

O casal que depois de anos de tratamentos e médicos, com tentativas infrutíferas para engravidar, se separou, porque afinal de contas, a "culpa" era da mulher e nem ela nem ele suportavam esta culpa e tornou-se impossível manter o amor - ou pelo menos a relação. E no dia em que assinaram os papéis do divórcio, ela foi beber um copo com as amigas, para esquecer, ou comemorar, envolveu-se com um desconhecido - sem proteção, porque não havia o perigo de engravidar - e  no mês seguinte descobriu que o "não tinha de ser" tinha mudado. Nunca mais encontrou o tal desconhecido, mas assumiu a gravidez e a menina de cabelos loiros é o grande amor da sua vida.

 

O casal a quem tinham acabado de anunciar que seria impossível uma gravidez sem tratamentos, porque as trompas da mulher estavam completamente obstruídas - o destino seriam meses de espera para uma FIV, sem certezas que alguma vez resultasse. E dois meses depois, o período desapareceu, e temeram que a situação estivesse ainda mais séria, e que significasse que a menopausa tinha chegado. Mas afinal, os dois tracinhos no teste de gravidez mostraram que os médicos não sabem tudo, que não há impossíveis e que o "não tinha de ser" pode mudar. A barriga de um terceiro trimestre de gravidez prova bem isso.

 

Sim, a vida é um emaranhado de escolhas. E o destino é o que nós fazemos dele.

 

Mais histórias destas aqui.

 

 

 

 

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