Confissões de uma médica (I)
, 27.05.15
Quando era pequena, não queria serbailarina, ou cantora.
Quando era pequena, ficava horas a olharpara as estrelas, lia livros sobre constelações, sonhava com planetasdistantes. Quando era pequena, sonhava em ser astronauta. Achava que devia sera melhor profissão do Mundo, a mais aventureira e fascinante.
Por isso, decidi que era isso que ia ser.Astronauta.
Portanto, ia para a NASA e depois daí logose via.
Ou se não fosse astronauta, então queria serviajante do tempo - que podia perfeitamente ser uma profissão.
Nesta altura, combinei com o meu irmão, maisnovo que eu, que ele ia construir uma máquina do tempo quando crescesse para eupoder ser viajante do tempo. Não era fenomenal viajar até ao tempo dosdinossauros? Até à época do apogeu do Egipto? Descobrimentos? Anos 20? Enfim,era um excelente plano. E o rapazinho de uns 6 ou 7 anos na altura aceitou oplano. E na realidade, é agora um Físico reconhecido internacionalmente, porisso, mantenho a esperança de realizarmos este sonho.
E à medida que os anos foram passando,continuei a olhar para as estrelas. Em verões quentes, deitada na relva doparque de campismo algures na Costa Alentejana, entre confissões deadolescentes. Em telhados de garagens. No Alentejo, no meio da serra, onde avia láctea é tudo o que existe.
E depois pensei: então e se fosse jornalista?Também é um trabalho emocionante, pode ser cheio de aventura e dá para fazercoisas que eu adoro: ler, escrever, comunicar.
Ou então médica, que também me parecia umaprofissão com desafio, onde podia fazer a diferença.
Mas a minha mãe, professora de Biologia,acabou por me inspirar a ir para as ciências. Adorava ver com ela livros docorpo humano, aprender sobre plantas e vulcões. Começou aquela sensação quequeria saber cada vez mais sobre como funcionava o nosso organismo, o quemudava quando ficávamos doentes. Ser médica parecia cada vez mais uma profissãofascinante. E foi assim que acabei por ir para Medicina no ano em querecebíamos a Expo 98.
E se astronauta parecia ser uma profissãodifícil, atravessar o curso de Medicina também é um percurso cheio de desafios,onde temos de aprender a ser detetives e sobreviventes ao mesmo tempo, enquantoaguçamos um sexto sentido para podermos ser médicos. Bons médicos.
E durante o curso quis ser cardiologista. Epediatra, ou cirurgiã. Até ao dia em que, na disciplina de Pediatria, tínhamosde acompanhar uma família durante a gravidez, parto e primeiro mês de vida dofilho.
Foi nessa altura que eu vi, pela primeiravez, o nascimento de um bebé.
E lembro-me como se fosse mesmo agora, o quesenti. A emoção transcendente que me atingiu quando me apercebi que estava apresenciar um momento mágico. E chorei.
Naquele momento soube que queria serObstetra e que ia fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para o conseguir,porque não há nada mais desafiante e mais brilhante que uma nova vida no Mundo.
Não foium caminho fácil nem linear. Teve muitas peripécias, momentos difíceis,descobertas. Mostrou-me todo um novo mundo, por detrás das portas dosconsultórios, das salas do bloco operatório, das urgências. Teve momentosextraordinárioss e dias difíceis, longe da família. Mas todos os diascompensaram e continuam a compensar, sempre que se ouve o chorar de um bebé queacaba de nascer.