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Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

Confissões de uma médica (I)

Avatar do autor , 27.05.15

Quando era pequena, não queria serbailarina, ou cantora.
Quando era pequena, ficava horas a olharpara as estrelas, lia livros sobre constelações, sonhava com planetasdistantes. Quando era pequena, sonhava em ser astronauta. Achava que devia sera melhor profissão do Mundo, a mais aventureira e fascinante.
Por isso, decidi que era isso que ia ser.Astronauta.
Portanto, ia para a NASA e depois daí logose via.
Ou se não fosse astronauta, então queria serviajante do tempo - que podia perfeitamente ser uma profissão.

Nesta altura, combinei com o meu irmão, maisnovo que eu, que ele ia construir uma máquina do tempo quando crescesse para eupoder ser viajante do tempo. Não era fenomenal viajar até ao tempo dosdinossauros? Até à época do apogeu do Egipto? Descobrimentos? Anos 20? Enfim,era um excelente plano. E o rapazinho de uns 6 ou 7 anos na altura aceitou oplano. E na realidade, é agora um Físico reconhecido internacionalmente, porisso, mantenho a esperança de realizarmos este sonho.

E à medida que os anos foram passando,continuei a olhar para as estrelas. Em verões quentes, deitada na relva doparque de campismo algures na Costa Alentejana, entre confissões deadolescentes. Em telhados de garagens. No Alentejo, no meio da serra, onde avia láctea é tudo o que existe.

E depois pensei: então e se fosse jornalista?Também é um trabalho emocionante, pode ser cheio de aventura e dá para fazercoisas que eu adoro: ler, escrever, comunicar.
Ou então médica, que também me parecia umaprofissão com desafio, onde podia fazer a diferença.

Mas a minha mãe, professora de Biologia,acabou por me inspirar a ir para as ciências. Adorava ver com ela livros docorpo humano, aprender sobre plantas e vulcões. Começou aquela sensação quequeria saber cada vez mais sobre como funcionava o nosso organismo, o quemudava quando ficávamos doentes. Ser médica parecia cada vez mais uma profissãofascinante. E foi assim que acabei por ir para Medicina no ano em querecebíamos a Expo 98.

E se astronauta parecia ser uma profissãodifícil, atravessar o curso de Medicina também é um percurso cheio de desafios,onde temos de aprender a ser detetives e sobreviventes ao mesmo tempo, enquantoaguçamos um sexto sentido para podermos ser médicos. Bons médicos.
E durante o curso quis ser cardiologista. Epediatra, ou cirurgiã. Até ao dia em que, na disciplina de Pediatria, tínhamosde acompanhar uma família durante a gravidez, parto e primeiro mês de vida dofilho.
Foi nessa altura que eu vi, pela primeiravez, o nascimento de um bebé.
E lembro-me como se fosse mesmo agora, o quesenti. A emoção transcendente que me atingiu quando me apercebi que estava apresenciar um momento mágico. E chorei.
Naquele momento soube que queria serObstetra e que ia fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para o conseguir,porque não há nada mais desafiante e mais brilhante que uma nova vida no Mundo.
Não foium caminho fácil nem linear. Teve muitas peripécias, momentos difíceis,descobertas. Mostrou-me todo um novo mundo, por detrás das portas dosconsultórios, das salas do bloco operatório, das urgências. Teve momentosextraordinárioss e dias difíceis, longe da família. Mas todos os diascompensaram e continuam a compensar, sempre que se ouve o chorar de um bebé queacaba de nascer.


E depois de uma urgência de 24 horas...(parte 2)

Avatar do autor , 12.05.15

Sim, depois de uma urgência é preciso continuar.
Aproveitar para ir ao ginásio, fazer uma aula de localizada, descansar o possível, andar com fruta atrás para seguir para as consultas. Ir buscá-los mais cedo e irmos comer um gelado.
Tratar da pele com uma máscara hidratante Caudalie (tenho pele seca) e não esquecer o creme anti-rugas da Uriage (para manter o ar de menina que as minhas pacientes dizem que tenho!).
Ter tempo a dois, para mimos e um petisco. Ir para a cama cedo.
E no dia seguinte, começar tudo outra vez - com um bom sumo verde para dar energia (espinafres, kiwi, ananás, banana, goji, chia, canela).


Mas quem nos segue no instagram já sabe disto tudo. 
(e no dia seguinte, recomeça tudo outra vez!)

Vida de médica.

E depois de uma urgência de 24 horas....

Avatar do autor , 12.05.15

Por definição, as minhas urgencias são agitadas. Nessas 24horas, há sempre uma série de acontecimentos, uns mais previsíveis que outros - mas é para isso que lá estamos. Uns partos mais rápidos que outros, emergências ginecológicas, muita agitação nas admissões com uma série de gente para ver. 
Depois, há outros dias em que as primeiras 12 horas são uma calmaria absoluta e nada se passa. Nessas vezes, toda a equipa começa a ficar inquieta, porque ficamos com a sensação que, de repente, se pode instalar o caos, com um descolamento de placenta vindo da rua, ou um autocarro carregado de gravidas cuja bolsa rompeu exactamente à mesma hora. Ontem foi um dia destes. 
Dia de calmaria, noite fora a trabalhar. Para a próxima, era mais giro se não houvesse uma conspiração astral para romper as bolsas das grávidas num raio de 50km exactamente as 4h30 da manhã. Mas é a vida.
E no dia seguinte é preciso continuar.

                                            


Eu não quero ser uma Ellis Grey

Avatar do autor , 16.01.15

Conheço uma Meredith Grey. 
Não a actriz da famosa série, mas um caso muitíssimo parecido ao que inspirou Shonda Rhimes a criar a personagem. Uma filha que na realidade quase não teve mãe, porque a mãe, excepcional no seu trabalho, dedicava-se a 100% à Medicina. E no meio da sua azáfama diária, pouco via a filha, que cresceu numa adolescência rebelde e acabou ela própria por decidir ser médica - com a consciência de que não iria querer ser uma mãe como a sua. Agora, a mãe que foi médica-a-tempo-inteiro, foi prematuramente afastada da profissão pela mesma razão da excepcional cirurgiã Grey da série, e é a filha que vai percorrer o caminho da mãe, esperando fazer melhores escolhas.

Este e outros casos que conheço levam-me sempre a repensar os meus dias e as minhas escolhas. Adoro a minha profissão, mas a coisa mais importante da minha vida são definitivamente os meus filhos. Fui muito criticada por decidir engravidar durante o internato, e tive de ouvir mil-e-um sermões por gozar os meus direitos, contemplados na lei, de deixar de fazer urgência nocturna a partir de um determinado tempo de gravidez, gozar licença de amamentação e ficar em casa com os meus filhos quando eles estão doentes. E muitos estranhavam porque é que eu não queria trabalhar noutros sítios durante o internato. 
Temos de fazer escolhas na vida, é inquestionável. 
E tentar gerir o nosso tempo o melhor possível. 
Desde o momento que decidi ter filhos (ou antes ainda), decidi que queria ser a melhor mãe possível para eles. Que queria ser uma mãe presente. 
Tenho consciência que tenho uma profissão muito exigente, mas não há nada melhor que os poder ir buscar cedo à escola, conversarmos sobre o dia que passou, brincarmos juntos ao chegar a casa, dar-lhes banho, jantarmos juntos (excepto o dia de urgência, que eles já sabem que é o dia em que a mãe-fica-a-ajudar-os-bebés-a-nascer e é o pai que trata de tudo).
Isto implica fazer o horário no hospital e limitar o que poderia fazer fora dele, de forma a ter tempo disponível para mim e para os meus filhos. Por isso, não tenho um carro topo de gama, nem empregada interna, nem vivo numa maravilhosa moradia, nem visto Chanel.
Mas estou presente. Conheço os meus filhos. Brincamos juntos mais do que os 10 minutos que os pediatras tanto apregoam como "o mínimo". Estive presente nos momentos importantes - e espero estar sempre.

Não. Eu não quero ser uma Ellis Grey.



7 coisas que é preciso ter para se ser médico

Avatar do autor , 10.01.15

                                         

Não sei se escolher ser médico tem a ver com a vocação ou se é simplesmente uma opção, que pode estar relacionada com mil-e-um motivos, desde o económico ( que não é, nem de longe, nem de perto a remuneração que sonhámos) ao facto de ainda ser um dos poucos trabalhos que tem garantido emprego no nosso país (este último ponto em mudança acelerada). Mas independentemente do que nos leva a medicina, há certas características que precisamos de ter (ou cultivar) para sobreviver neste complexo mundo dos hospitais, clínicas e centros de saúde:

1. Desprendimento de horários. 
Um médico tem como todos os profissionais, um horário estabelecido, é controlado nos dias que correm pelo fantástico ponto digital. Em média fará 40 horas por semana, mas isto varia de acordo com as horas extraordinárias que precisa de fazer em contexto de urgência. Mas não só. Os médicos sabem que é quase impossível seguir um horário à risca. Imagine-se um cirurgião, cuja cirurgia era mais complexa que se imaginava à partida: não pode chegar às 17h, como o técnico da repartição das finanças e dizer “Meus amigos, por hoje acabamos. É impossível atender mais gente, amanhã continuamos”. O cirurgião não vai sair para ir picar o ponto, e muito menos pode abandonar o bloco operatório. O cirurgião tem de continuar, até a situação estar controlada e o doente tratado. E pode ser necessário ficar mais duas horas a operar, ter de pedir para lhe ligarem à escola dos filhos a avisar que vai chegar mais tarde ou que não vai conseguir chegar a tempo ao jantar com os amigos que estava combinado há meses.

2. Resistência física. 
Ser médico é muito mais que ficar sentado atrás de uma secretaria. É preciso estar em forma, porque há urgências que significam saltar da cadeira e subir dois pisos a correr, para ir responder a uma paragem cardio-respiratória no serviço de Medicina. É preciso passar horas em pé no bloco operatório, a segurar um afastador, para o colega poder completar aquela cirurgia complexa. É preciso aguentar 24 horas de urgência, entre cesarianas, partos e cirurgias, e estar no seu melhor quando está quase na altura da sua saída e é preciso ajudar um bebé a nascer com o auxílio de uma ventosa. 

3. Dieta (forçada) constante. 
Cada vez mais o médico é pressionado para aumentar a sua produtividade. E quando antes via 5 doentes numa manhã, com tempo para fazer uma boa história clínica e um exame objectivo cuidado, agora tem de fazer 20 no mesmo período de tempo. Portanto, ou quase não vê os doentes, ou tem de abdicar das suas necessidades básicas – como ir à casa de banho ou fazer uma refeição- para ganhar tempo e poder continuar a fazer um bom trabalho. Por isso, não tem tempo para comer a meio da manhã, salta o almoço ou come uma sopa à pressa para não se atrasar para as actividades da tarde.

4. Tolerância e empatia. 
Apesar das condições de trabalho serem complicadas e de ter de arranjar soluções para os problemas que vão surgindo, o médico tem frequentemente reclamações. E queixas. Doentes exaltados, aos gritos, que já esperaram 5, 10, 20 horas num serviço de urgência. Que acham que a sua situação é prioritária. Que se queixam do espaço físico. Que não podem chegar atrasados ao trabalho e exigem que sejam resolvidos os seus problemas. O médico tem de ter capacidade de respirar fundo, e explicar a razão dos atrasos, ou da falta de material, ou de tempos operatórios. Tem de se manter calmo, e tentar compreender o outro lado, apesar de muitas vezes ter vontade de se exaltar também. Tem de fazer o melhor que pode e tentar fazer passar essa mensagem – e continuar.

5. Insight. 
O médico tem de ter aquela capacidade quase mágica de olhar para uma situação é conseguir lê-la, que é como quem diz, saber o que o doente tem pouco depois de se ter sentado na cadeira do consultório. No fundo, o médico tem de desenvolver a sua intuição, fundamentada em tudo o que vai estudando, aperfeiçoada pelo seu trabalho diário. E saber resolver a situação o mais rapidamente possível.

6. Espírito de sacrifício. 
É impossível ir para Medicina se não se estiver disposto a abdicar de algumas coisas, em prol dos doentes. Podem ser férias, porque não há mais ninguém para fazer urgências em Agosto, pode ser a festa de fim de ano dos filhos, porque a cirurgia demorou mais que o previsto, podem ser noites de sono no conforto do lar, porque é preciso que alguém veja doentes à noite, porque ninguém escolhe horas para adoecer. 

7. Paixão. 
Acima de tudo, é preciso gostar do que se faz. Amar. Sentir que é aquilo que queremos fazer para o resto da vida, caso contrário, todos os pontos anteriores terão sido em vão. E ter a noção que, afinal, os médicos até são mal pagos, por isso, temos de ser felizes com a sensação que fazemos coisas boas todos os dias.



Surpresas desta vida de médica

Avatar do autor , 17.09.14



Tenho sorte em fazer o que faço. 
Em amar a sério esta coisa de ser obstetra, apesar de passar noites acordadas, de ter situações de adrenalina extrema e de andar muitas vezes com o coração nas mãos - ou corações, porque quando tratamos de grávidas temos sempre mais do que uma pessoa à nossa responsabilidade.
E a intuição é uma das nossas aliadas. 
Aquela sensação que temos que nos faz pedir umas análises mesmo sem haver grandes sintomas, porque algo nos murmura que se está a passar alguma coisa. 
E às vezes é preciso trazer ao mundo um bocadinho mais cedo que o esperado os bebés que estão confortáveis na barriga da mãe, para todos ficarem bem.
E há momentos mágicos.
Depois de abrir a bolsa amniótica da primeira gémea, ficámos todos emocionados no bloco operatório com a mãozinha rosa e pequena que se estendeu da barriga da mãe. 
Tivemos todos aquele instinto de querer registar para sempre aquele instante único, e em simultâneo querer tirá-la o mais depressa possível, porque era o certo a fazer. 
E por isso ajudámo-la a nascer. Foi a primeira, e no minuto seguinte, nasceu a irmã.
Mas esta mãozinha, com genica e garra, está no meu coração - e espero que possa ser uma das mãos que nos vai ajudar a construir um mundo melhor.









Vida de médica

Avatar do autor , 10.09.14


Cheguei finalmente a casa e estou a comer uma salada de frango. 

Isto provavelmente nem interessa nada, mas apercebo-me agora que já não sei se estou a almoçar, a lanchar, ou noutra refeição qualquer. Isto porque as terças-feiras são sempre dia da grávida para mim - as 24 horas inteirinhas. E as quartas são de ressaca.
O 09/09 não fugiu à regra e estive a noite quase toda a pé - à excepção dos momentos em que adormeci até ser acordada por um estrondoso "DRA! CESARIANA!" - a taquicardia das emergências é uma coisa tramada e difícil de controlar, mesmo quando a própria situação está controlada, à vezes o nosso coração não obedece. 
Mas o coração ficou tranquilo e as 24 horas da grávida correram muito bem e saímos de rastos mas felizes. 
Ora o melhor remédio para recuperar de uma noite sem dormir é (receita minha): ir ao ginásio 1 horinha e depois continuar a trabalhar. 
Mas há uma altura em que é preciso parar. Ou melhor, voltar ao trabalho de mãe e ir encher a despensa, para de seguida comer qualquer coisa, correr ao cabeleireiro porque-hoje-é-que-é e depois ir buscar as crias e mimá-las até adormecer de exaustão no sofá (depois dos banhos e jantares e histórias).

Tenho uma série de trabalhos e adoro!!!

Nascer a sul

Avatar do autor , 23.07.14

Esta é a altura do ano em que toda a gente vem para sul.
O sitio mais desejado, com praia, mar, e sol, e animação.
Esta é a altura do ano para as férias no algarve - e sim, está cá muuuuita gente.
E este cantinho a sul de portugal é tão bom, que até os pequenos que cá vêm nas barrigas das mães resolvem nascer mais cedo, para aproveitar estes dias.
Parabéns aos bebés que nasceram nas últimas 24 horas a sul, muitos deles tinham os pais planeado que eles nascessem lisboetas, mas estava escrito nas estrelas que haviam de nos animar o dia e a noite
(foi uma urgência daquelas! vou só ali dormir 24 horas)


Os médicos também vão à casa de banho

Avatar do autor , 09.05.14

Juro.
Entre outras coisas.
E também há médicas, ao invés do médico-tipo que vive na nossa mente, que é homem, de cabelo grisalho, com gravata e estetoscópio e ar sério. Há medicas, que podem ter um ar de miúdas (mas já são especialista) e que podem ter unhas pintadas de rosa e pulseiras de elásticos. E terem filhos. E para além de também irem à casa de banho e comerem, também têm de atender telefonemas da escola dos mesmos e resolver problemas domésticos - que as médicas também podem ser mães.
E há mais para ler aqui.



A minha vida podia dar um episódio da Anatomia de Grey #1

Avatar do autor , 30.04.14

Aposto que quem gosta (como eu)de ver a Anatomia de Grey, não acredita que metade das coisas que lá acontecem sejam reais. Ou pelo menos é muito pouco provável que aconteçam.
Não, não.
Num hospital, tudo pode acontecer.
Principalmente à noite.
Portanto está uma pessoa muito sossegada no seu papel de obstetra a ver grávidas às 4 da manhã, quando repentinamente pode irromper por ali dentro um segurança com ar alucinado, de luvas azuis calçadas, em busca de alguém que anda a correr nú no hospital (sim, leram bem, eu disse NÚ). Que não fazem ideia onde andará. E que aparentemente tem potencial para se deitar em qualquer cantinho e adormecer logo de seguida.(pergunta o segurança: podem ligar-me se o encontrarem nas salas de parto ou deitado ao lado de uma grávida? pergunto eu: está a falar a sério? isto é a sério?)

E fica-se imediatamente com vontade de continuar a ter trabalho para não ter de ir ao quarto de descanso, não vá dar-se o caso de estar lá o tal senhor.

Só o MacDreamy é que não aparece. Bolas.






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