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Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

Instinto

Avatar do autor , 08.10.22

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Na maioria dos hospitais recomenda-se a indução do parto às 41 semanas. A partir desta idade gestacional aumenta o risco de morte fetal principalmente porque a placenta pode começar a falhar.


Segui uma grávida que já tinha chegado a está idade gestacional e o bebé ainda não tinha dado ar de querer vir ver o mundo cá fora. Ela estranhava ainda não ter entrado espontaneamente em trabalho de parto, tudo aconteceu muito naturalmente com o primeiro filho, que nasceu de parto normal, e agora… nada.

Concordamos que a indução seria a melhor opção.

Assim, nas 41 semanas de gestação foi internada e começamos o processo com oxitocina, porque o colo do útero estava favorável.

Algumas horas depois, sou chamada para avaliar a grávida de forma urgente. Corri para o quarto, preocupada. O CTG estava normal, mostrando batimentos cardíacos saudáveis do bebé. As contrações começavam a aparecer de forma regular.

Quem não estava nada bem era ela: respiração rápida, suada, muito agitada. A tensão estava normal mas os seus batimentos cardíacos muito acelerados. Como uma crise de ansiedade.

Mas em Obstetricia há tantas situações possíveis preocupantes a excluir que não podemos pensar somente na ansiedade. Fizemos uma avaliação completa e não encontramos nada. Mas ela continuava agitada. “Dra, por favor, algo não está bem. Eu sinto. Podemos avançar para uma cesariana?”

Expliquei que a indução estava a decorrer normalmente, a dilatação a avançar, as contrações regulares, não havia indicação para cesariana. E já tinha tido um parto vaginal, por isso era provável que este também fosse.

Mas as minhas palavras não resultaram, continuava ansiosa e a pedir uma cesariana,sentia que algo não estava bem.

Acabamos por avançar para uma cesariana depois de explicar os riscos, que aceitou. Depois de chegarmos ao bloco operatório e de tudo preparado, começamos e em poucos instantes ouviu-se um choro vigoroso assim que a cabecinha saiu.

Quando tentei exteriorizar o resto do corpo, verificamos que o cordão era muito curto e que havia… um nó verdadeiro.

Possivelmente se tivéssemos insistido no parto normal… tinha corrido muito mal, porque ao descer , o bebé apertaria aquele nó.

Ao perceber a situação, a mãe chorou convulsivamente, com o seu bebé saudável nos braços.“Eu sabia que algo não estava bem, Dra”.

Lição? 
Nunca duvidar do instinto de uma mãe.

Mais histórias no instagram em sofiaserrano_autora ⭐️💫 

Confissões de uma médica: quando a vida nos surpreende

Avatar do autor , 18.04.19

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Uma urgência, a altas horas da noite. Daquelas urgências caóticas em que o trabalho não pára. Chamo a próxima paciente, reparo pela ficha que é uma adolescente de 15 anos.

Vem com a mãe, encolhida, com as mãos na barriga. Não olha para mim, mas percebo que não está bem.

A mãe toma a palavra e diz-me que a filha está desde o jantar com fortes dores de barriga.  Que tem andado muito inchada, que pode ser uma apendicite. Não melhorou com os analgésicos que lhe deu. Está preocupada, mas na urgência geral não sabem o que pode ser, e como ela está no primeiro dia do período resolveram pedir uma avaliação em ginecologia.

A filha continua cabisbaixa e de vez em quando nota-se que tem dor. Como se fosse uma cólica. Reparo que parece ter algum peso a mais, mas mantém sempre os braços e as mãos a envolver a barriga. 

Pergunto se a posso observar, e quando se deita na marquesa percebo o que se passa. Ou pelo menos suspeito. Pergunto-lhe se tem tido o período todos os meses, responde-me que está menstruada. E namorado? A mãe diz imediatamente que não. Que nunca teve namorado e que não é como as amigas, que andam por aí sem terem cuidado. Pergunto-lhe se prefere que a mãe saia um bocadinho para ficar mais à vontade, mas diz que não.

Pouso a sonda do ecógrafo na barriga dela e pergunto se não nos quer contar nada, mas ela firmemente diz que não sabe do que estou a falar. Na imagem, vê-se algo a piscar. E depois uns dedos. E um pé.

A mãe fica a olhar para o ecrã sem perceber nada. A filha começa a chorar.

"Mas o que é que se passa com ela, doutora? Diga-me por favor,  que cada vez percebo menos! E porque é que ela está a chorar?". Tento que seja ela a contar à mãe, mas não consegue.

 

Lá acabo por explicar que a filha está grávida, e que pelo tamanho do bebé, pelas dores e por aquela pequena perda de sangue, parece estar a entrar em trabalho de parto.

A mãe fica em choque e sem reação. A miúda de 15 anos murmura repetidamente um "desculpa, desculpa" e eu fico a tentar perceber o que posso fazer para ajudar naquele momento. É daquelas coisas que não têm um guião, que mexem com confiança, com o nosso papel de mães, com a responsabilidade de cada um,  com uma nova vida no mundo.

 

E no meio de uma noite agitada e de uma mãe e filha em choque, chega mais uma linda menina ao mundo, indiferente a todo o caos à sua volta, saudável e a chorar vigorosamente.

 

 

Confissões de uma médica: as expectativas da gravidez e parto perfeitos

Avatar do autor , 11.04.19

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As expectativas são coisas difíceis de gerir. Semente que germinam e crescem sem aviso prévio e nos condicionam em cada passo. Criamos expectativas toda a vida: do que vamos ser, do que vão ser as outras pessoas para nós, de como queremos viver.

Em particular na gravidez, as expectativas podem ser difíceis de gerir.

É muito fácil imaginar uma gravidez bonita e tranquila, um parto natural rápido, um bebé perfeito. É o que vemos no instagram e nas revistas, nas redes sociais.

 

Mas as expectativas não nos preparam para uma gravidez na cama por contrações antes do tempo, para vómitos constantes, para um parto arrastado e um nascimento por cesariana porque o bebé não estava bem posicionado. Não nos preparam para que o corpo mude, para que não responda como nós imaginamos. Não nos prepara para não suportarmos a dor nem para conhecermos o nosso bebé no frio de um bloco operatório.

 

Quando se trata de gravidez, eu gosto de pensar que temos de regular as expectativas do nível “perfeição de instagram” para o nível “correu tudo bem com o bebé e a mãe”.

É duro fazermos este ajuste, a nossa natureza pede-nos sempre o que idealizámos.

 

Mas no final, o mais importante é mãe e bebé estarem bem - mesmo que isso signifique um parto por cesariana ao fim de muitas horas de trabalho na tentativa de um parto normal como se sonhou.

Dicas para (tentarmos) ter um parto perfeito

Avatar do autor , 20.11.18

columbus,+ga+birth+photography+st.+francis+hospita

 

Lancei um desafio no instagram: o de partilharem se o vosso parto tinha sido como sonharam, e se não, o que mudariam. Recebi centenas de respostas maravilhosas, a mostrar todos os lados da obstetrícia: o bom, o mau, o mais ou menos, o imprevisto e aquele que não se conseguiu mudar.  Na verdade, todas as respostas acabam por ter um ponto comum: o de todas as mães e pais referirem que mesmo nas más experiências, o importante foi ter tudo acabado em  mãe e bebé saudável.

A obstetrícia é um mundo de imprevisibilidade. Na realidade nunca sabemos como será o desfecho da gravidez, mas devemos tentar que corra tudo pelo melhor.

 

Deixo-vos algumas dicas para que possa aproximar-se o máximo possível do vosso parto de sonho:

 

1. Fazer o seguimento da gravidez com um médico e equipa em que confiem. É fundamental que a gravidez decorra o mais tranquilamente possível, que o aumento de peso não seja excessivo e que se sintam bem. Qu sejam esclarecidas relativamente a necessidade ou não de indução, se será melhor um parto vaginal ou uma cesariana.

 

2. Fazer um curso de preparação para o parto, onde sejam esclarecidas todas as duvidas: as contrações, os tipos de parto, a epidural, os sinais de alarme, a rotura de bolsa, o controlo da respiração, entre tantos pontos importantes. Mais uma vez, informação é fundamental para estarmos preparadas e tranquilas para o garnde momento.

 

3. Fazer um plano de parto. Pensar como gostariamos que fosse esse momento, quem queremos presente, se queremos indução, oxitocina, episiotomia, epidural. Se não queremos nada destas coisas. A posição para o parto. Se queremos cortar o cordão, o contacto pele-a-pele, música ambiente. Somos todas diferentes e nem todas sonhamos com o mesmo. Fazer o plano de parto e discutí-lo com a equipa que nos segue é muito importante para que tudo de aproxime o mais possível do que imaginamos.

 

4. Visitar a maternidade onde o nosso bebé vai nascer. Estarmos familiarizados com o local e as pessoas dar-nos-á tranquilidade para o grande momento. Saber os procedimentos habituais, o que precisamos levar, quem nos pode acompanhar, horários das visitas.

 

5. Não criar grandes expectativas - exatamente porque na gravidez e parto, tudo pode mudar subitamente. Quem quer muito um parto normal pode ter uma cesariana porque o bebé ficou pélvico (sentado). Quem tinha pânico do parto normal pode ter um parto fácil e rápido e achar que foi a melhor experiência da vida. Quem tinha muito medo de uma cesariana pode achar que afinal foi bem mais tranquilo e com uma recuperação mais rápida que um parto por forceps anterior. E na realidade, no final, o que interessa é que mãe e bebé estejam saudáveis.

 

Se quiserem, partilhem aqui em comentários as vossas experiências.

E podem ver mais nas stories do instagram.

Data (im)prevista de parto

Avatar do autor , 17.11.18

 

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Quando o teste de gravidez dá positivo, uma das primeiras curiosidades que queremos ver esclarecida é a data do parto: afinal, quando é que o bebé vai nascer? Qual o dia certo?  

Os obstetras calculam a data do parto 40 semanas após o primeiro dia da última menstruação. Andamos munidos de uma rodinha que nos auxilia nas contas e geralmente dizemos que esse dia é a "data provável do parto". 

"Provável", porque sabemos que só 20% dos bebés irá efetivamente nascer nesse dia. Alguns decidem nascer antes, outros depois. 

Por isso, quando me perguntam, geralmente no 3º trimestre, se acho que o bebé vai nascer na data estimada ou se será antes, eu respondo sinceramente que não faço a mínima ideia. Porque mesmo nas gravidezes em que tudo está a decorrer como esperado podemos ter surpresas de última hora.

 

Pois. A grávida que acabei de ver na consulta e a quem disse que me parecia que ainda não estava na hora porque não tinha contrações nem dilatação pode romper a bolsa ao sair do consultório e lá se vai a data prevista.

O marido que estava com duvidas se devia viajar para outro país na 37ª semana de gestação (porque apesar de não haver sombras de contrações e tudo estar aparentemente bem, e de eu lhe ter dito que ACHAVA que o parto não iria ser nessa semana) pode ter de regressar à pressa para conseguir assistir ao nascimento do filho.

E os meus planos durante uma semana completa para ir ao ginásio depois das consultas são adiados, porque as grávidas que eu ACHAVA que só teriam o parto nas semanas seguintes decidem que está na hora do grande momento.

 

Isto para dizer que a data prevista de parto é meramente uma estimativa e que é muito mais provável o bebé nascer...quando quiser. E que para se ser obstetra, a agenda tem de ser mesmo muito flexível - e o mais provável é que os nossos planos saiam sempre furados. Mas no fundo, desde que tudo corra bem, com mãe e bebé saudável, este é mesmo o charme da profissão ;)

 

Instagram

 

 

 

 

Confissões de uma médica #20

Avatar do autor , 20.10.18

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Quando era interna do primeiro ano da especialidade, um dos médicos mais velhos com quem eu fazia urgências disse-me que, na realidade, o nosso trabalho mais importante era saber esperar. Obstetricia vem do latim obstetrix, que significa “estar ao lado”. Não valia a pena apressarmos as coisas nem sermos demasiado interventivos.

Eu tinha o entusiasmo de um interno recém chegado à especialidade, queria ajudar, fazer, marcar a diferença. Ele apontou para um banco que estava na sala de parto e disse-me que aquele era um dos nosso melhores amigos. Disse-me para respirar fundo e para me sentar. Estar ali a vigiar, ter paciência, esperar.

Na verdade, a maioria dos partos precisam de muito pouco dos médicos e enfermeiros, porque mãe e bebé sabem o que fazer. Por isso, ao longo do tempo, fui aprendendo a ter paciência. Se tudo estiver bem, temos de dar tempo ao tempo. E a parte boa é sermos recompensados com o choro forte de um bebé saudável e o sorriso incondicional dos recém pais 🍀

(a foto sou eu, apanhada desprevenida de salto alto por um trabalho de parto na última noite, um daqueles mesmo bonitos)

 

 

Parabéns, meu amor

Avatar do autor , 18.09.17

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Quando disse à tua avó que estava grávida, ela fez as contas sem precisar da minha rodinha de obstetra e disse que ias nascer no dia de anos dela. Eu respondi que era muito pouco provável, porque o dia 18 de setembro já calhava nas 41 semanas. 

A verdade é que não estavas com pressa de nascer. Devias estar quentinha e confortável - e eu confesso que te adorava sentir mexer na minha barriga, e ter-te ali, protegida do mundo e só minha.

 

Mas a evidência científica da medicina diz-nos que a partir de um certo ponto começamos a arriscar quando esperamos para além das 41 semanas, por isso, decidimos induzir o parto.

 

No dia 17 ainda vesti a farda da maternidade, como se estivesse de urgência naquele dia, com a diferença que o teu pai estava comigo. Foi preciso colocar 1 comprimido, subir e descer escadas pelo hospital, ir almoçar à cantina com os outros colegas, subir e descer mais escadas, fazer CTGs. Colocar outro comprimido. Andar, andar. Quando finalmente começaram as contrações e a bolsa rompeu já estavamos no final do dia. E apesar de achar que ia ser muito forte e conseguiria controlar perfeitamente a dor, estava redondamente enganada e a foi a epidural que tornou as horas seguintes numa espera tranquila.

Isto para te dizer, minha querida, que a dilatação lá foi avançando devagarinho, e que só decidiste que estava na altura de nascer já passava da meia-noite.

 

No dia 18 de setembro, tal como a tua avó previra. Exatamente no dia de anos dela.

 

Confesso-te que esperava que o parto fosse mais fácil. Mesmo com a epidural, tinha uma dor forte, porque a tua cabeça não estava bem rodada. Foi preciso dar-te uma ajuda com a ventosa. Com o nervoso, a dor e as emoções à flor da pele, eu só conseguia rir. Eu sei, é parvo, mas em stress muitas vezes dá-me para isso.

Enfim, lá te demos uma ajuda a nascer. Ficaste em cima da minha barriga, de olhos muito abertos, como que a perceber o que estava a acontecer.

 

 

 

 

 

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