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Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

Café, Canela & Chocolate

O site da autora Sofia Serrano. Conversas de uma mãe, que é médica Ginecologista/Obstetra e adora escrever. Com sabor a chocolate.

As verdadeiras razões porque os médicos se atrasam nas consultas

Avatar do autor , 06.05.19

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Gosto de chegar a horas a todo o lado. Aliás, sempre tentei chegar um bocadinho antes do combinado aos meus compromissos.

Gosto de ter tudo organizado, e acho que a maternidade ainda fez com que viva o meu dia a dia com um horário mais apertado e sem grande margem de manobra entre escola, trabalho, refeições, ginásio, futebol, ginástica e afins.

Mas sei que há coisas que não consigo controlar.

E aprendi com o tempo que tenho de ser flexível e adaptar-me, para poder ser a melhor mãe possível, a melhor médica possível, o melhor ser humano possível.

 

Por isso, quando alguém entra no meu consultório para uma consulta de rotina, e ao fim de uma ou duas perguntas sobre a sua saúde começa a chorar convulsivamente sem motivo aparente, sei que tenho de desligar o meu cronometro mental daquela consulta. Sei que muito possivelmente os 20 ou 30 minutos previstos podem ser insuficientes. Sei que quando alguém me abre o coração, mesmo não sendo psicóloga ou psiquiatra, tenho a responsabilidade de como pessoa a ouvir - porque muitas das vezes os nossos problemas de saúde são as nossas angústias e histórias mal resolvidas guardadas bem lá no fundo.

Ela contou-me em lágrimas a história da família: a avó que foi abandonada à porta de uma família rica, que se tornou criada e se apaixonou por um dos filhos do dono da casa. Como tiveram de fugir juntos para poderem ser felizes. Como ela queria uma história de amor parecida mas tinha tido um final exatamente contrário ao que sonhava. Como os filhos não tinham chegado, e agora era preciso decidir se queria desistir de tentar ou inspirar fundo mais uma vez e desafiar a vida.

 

É preciso tempo para ouvir para conseguirmos ajudar na saúde, e nem sempre é possível cumprir tempo e sermos rigorosos.

 

Claro que depois há consultas que demoram mais por outras razões.

Quando a assistente me diz que a proxima utente fala uma língua estranha, não me preocupo porque suponho que quase meio mundo fala inglês. Ou francês. Ou espanhol. E nesses campos acho que me desenrasco bem, mesmo que nalgumas vezes longe da perfeição. Mas quando vejo entrar uma senhora de olhos rasgados que só repete "Japan! Japan!", começo a ficar preocupada. Traz algumas frases escritas em inglês num papel que alguém terá ajudado a elaborar, onde se percebe que está com dificuldade em engravidar.

Ok, percebo o motivo da consulta, mas não é fácil avançar sem comunicação oral.

Por isso, passamos a consulta entre gestos e o Google translator, alternado ingles-japones-portugues e risos da pequena japonesa de 3 anos que acompanhava a senhora, a primeira filha.

 

Bom algum dia iria fazer uma consulta a uma japonesa sem perceber patavina dessa misteriosa língua - e hoje foi o dia!

Mas toda esta logística faz com que a gestão da agenda se torne subitamente caótica e a partir daí funciona o modo bola de neve - sempre a piorar o atraso.

Por isso, deixo um pedido de desculpas gigante a todos os que têm de esperar à porta do meu consultório mais tempo do que era suposto - porque afinal de contas os médicos não são robots e tentam dar o seu melhor com cada paciente.

À noite, no hospital

Avatar do autor , 06.12.18

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O que se passa num hospital à noite? Basicamente tudo e nada. Podemos percorrer os corredores silenciosos e sentir a tensão do espaço - aquele silêncio que antecede uma explosão de adrenalina, que surge sem aviso prévio.

E se num instante tudo parece estar sossegado, no segundo seguinte há um código vermelho e uma invasão de gente a cumprir o seu trabalho o mais rápido e eficazmente que sabem para que se possam salvar vidas.

Para que a grávida com o súbito descolamento de placenta e um bebé em sofrimento possam ter a melhor hipótese. 

Todos os segundos contam.

É preciso correr, de forma bem treinada, e pôr a funcionar a máquina bem oleada que parecia estar adormecida. Em instantes há luzes, um bailado que monta panos e instrumentos cirúrgicos, roupas e luvas e máscaras, o "ok" para começar. E tudo fica em suspenso até se ouvir um choro, inicialmente débil e depois mais intenso. Trocam-se olhares cumplices que dispensam palavras e todos continuam.

E tudo corre bem e volta o silêncio, e esta missão está cumprida.

Mas o hospital nunca dorme.

Os obstetras também se enganam

Avatar do autor , 01.12.18

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Às vezes há falhas. Ninguém é perfeito. É perfeitamente possível alguém se enganar numa ecografia, na identificação do sexo do bebé. Entre outras coisas. Treinamos anos a fio, estudamos constantemente, mas há multiplos fatores que nos podem influenciar no nosso trabalho.

"Parece-me uma menina!", podemos dizer nós. E às tantas, na ecografia seguinte, o cordão umbilical que estava a tapar um "apêndice" importante mobilizou-se e afinal...é um menino. Nem sempre é fácil dar estas notícias - explicar que aquela menina com que falamos todas as noites na barriga é afinal um menino, mas ninguém tinha dado por isso. 

Há surpresas que afinal são bem recebidas, outras nem por isso.

Mas depois, há aquelas MEGA SURPRESAS.

 

Como a história daquela grávida que entra no meu consultório para a ecografia morfológica, às 20 semanas.

Gosto de fazer perguntas para perceber se tem tudo estado a correr bem, e de ir conversando com as pessoas. A gravidez, diz-me ela, tem estado a decorrer tranquilamente, mas o seu médico ainda não sabe se é menino ou menina - e o casal está muito ansioso por ter essa informação.

Começo o exame e fico momentaneamente baralhada. Reparam no meu ar confuso e reafirmam que lhe têm dito que está tudo bem com o bebé. "Não está?"

Volto a olhar para o ecrã . Tive uma noite tranquila, dormi bem , não estou cansada, o ecógrafo é bom. No entanto, podia jurar que estou a ver DOIS BEBÉS. 

Sim, são dois. Uma placenta, duas bolsas. Duas cabeças, 4 pernas, 4 braços. Não estou a imaginar. Mas os pais pensam que é só UM BEBÉ.

" Hum...acho que temos aqui uma pequena surpresa."

(aquele olhar de suspense dos progenitores)

"Bom...por algum motivo ainda ninguém tinha percebido mas...."

"Diga-me dra, é um menino???? Sim???"

"Sim! Na verdade é um menino! Ou melhor, são dois meninos! Parabéns! Vão ter gémeos verdadeiros, dois meninos!"

Aquele silêncio de choque.

Aquele momento em que eu continuo a olhar para o ecrã para me certificar mais uma vez que são dois, e que não sou eu que me estou a enganar - mas em simultaneo a pensar que poderia ter sido eu a falhar.

E mostro no ecrã as duas cebecinhas, lado a lado, como que a trocar confidências. A rirem em segredo por terem conseguido passar 20 semanas sem ninguém se ter apercebido.

"Ai valha-me Deus!" suspira a mãe, ainda a tentar interiorizar a notícia. "Então é por isso que tenho tanta fome! Vês, não estou nada gorda, são dois!".

 

E é isto. Temos de ver sempre o lado positivo das coisas.

 

O nosso instagram, aqui.

 

 

 

 

Data (im)prevista de parto

Avatar do autor , 17.11.18

 

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Quando o teste de gravidez dá positivo, uma das primeiras curiosidades que queremos ver esclarecida é a data do parto: afinal, quando é que o bebé vai nascer? Qual o dia certo?  

Os obstetras calculam a data do parto 40 semanas após o primeiro dia da última menstruação. Andamos munidos de uma rodinha que nos auxilia nas contas e geralmente dizemos que esse dia é a "data provável do parto". 

"Provável", porque sabemos que só 20% dos bebés irá efetivamente nascer nesse dia. Alguns decidem nascer antes, outros depois. 

Por isso, quando me perguntam, geralmente no 3º trimestre, se acho que o bebé vai nascer na data estimada ou se será antes, eu respondo sinceramente que não faço a mínima ideia. Porque mesmo nas gravidezes em que tudo está a decorrer como esperado podemos ter surpresas de última hora.

 

Pois. A grávida que acabei de ver na consulta e a quem disse que me parecia que ainda não estava na hora porque não tinha contrações nem dilatação pode romper a bolsa ao sair do consultório e lá se vai a data prevista.

O marido que estava com duvidas se devia viajar para outro país na 37ª semana de gestação (porque apesar de não haver sombras de contrações e tudo estar aparentemente bem, e de eu lhe ter dito que ACHAVA que o parto não iria ser nessa semana) pode ter de regressar à pressa para conseguir assistir ao nascimento do filho.

E os meus planos durante uma semana completa para ir ao ginásio depois das consultas são adiados, porque as grávidas que eu ACHAVA que só teriam o parto nas semanas seguintes decidem que está na hora do grande momento.

 

Isto para dizer que a data prevista de parto é meramente uma estimativa e que é muito mais provável o bebé nascer...quando quiser. E que para se ser obstetra, a agenda tem de ser mesmo muito flexível - e o mais provável é que os nossos planos saiam sempre furados. Mas no fundo, desde que tudo corra bem, com mãe e bebé saudável, este é mesmo o charme da profissão ;)

 

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Cenas de um consultório

Avatar do autor , 18.04.18

Entra um casal para a primeira ecografia com a filha de 2 anos.

A pequenita já fala bem e vem a avisar que quer ir embora, mas lá se senta ao colo do pai pra ver o que se vai passar ali. A mãe deita-se para fazermos a ecografia do 1 trimestre. Todos olham com expectativa para o ecrã.


Um bebé de 11 semanas dá saltinhos e ouve-se o bater forte do coração.

O pai fica com um sorriso rasgado:


-Vês filha! Olha ali no ecrã!


A cara da pequena ilumina-se de felicidade:


- Pai! É o meu cão! O cão que eu pedi! Não é?


- Não querida, é o teu mano! E está feliz por te ver, até parece que dança!


- Mas eu pedi um cão! Um mano? Não quero!!! E o meu cão onde está? Cãozinho!!!

 

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Expectativas de irmão mais velho

Avatar do autor , 17.01.18

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Levar o futuro irmão mais velho a uma ecografia de gravidez da mãe pode ser uma verdadeira aventura.

Muitos pais vão cheios de entusiasmo por mostrar ao filho as imagens do irmão que ainda está na barriga. Planeiam filmar a reação e vão entusiasmados com a emoção desse primeiro encontro.

 

A realidade, na maioria das vezes, passa bem ao lado do planeado: os miúdos pequenos muitas vezes acham mais piada ao ecógrafo e aos mil botões com luzes do que à imagem preta e branca no ecrã - e mostram muito pouco interesse pela imagem que os pais lhe dizem ser "o mano".

Alguns assustam-se com o som do batimento cardíaco do bebé, outros é a única coisa que acham piada - e passam o resto do exame a pedir para repetir aquele som de um galope de cavalo a alta velocidade.

Os que têm interesse na imagem fazem muitas vezes uma interpretação - tipo arte abstrata - e às tantas já estão ali a ver um piano ou os dentes do lobo mau.

 

 

 

Confissões de uma médica #19: as prioridades dos médicos

Avatar do autor , 16.01.18

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Quando fazemos o juramento de Hipócrates, declaramos  "A saúde do meu doente será a minha primeira preocupação". Juramos com emoção neste momento que marca o início do nosso percurso como médicos, e acreditamos que nada nos vai fazer desviar deste caminho.

Mas a medicina não é nada linear e muito menos o trabalho dos médicos.

 

Todos os dias, lutamos para que a marcante frase seja verdade, tentando contornar escassos recursos nos hospitais, falta de pessoal, falhas nos programas informáticos, exaustão.

 

Tentamos que esta frase seja verdade mesmo quando nos exigem que realizemos consultas em 5 minutos.

 

Tentamos que seja verdade quando não paramos para almoçar para evitar que o tempo de espera aumente - e já nem o croquete ou a empada nos mata a fome num intervalo às quatro da tarde, porque o governo achou prioritário proibir a venda deste tipo de alimentos no serviço nacional de saúde, ao invés de promover a venda de alimentos saudaveis ou mesmo - na loucura! - de contratar mais pessoal para conseguirmos manter o SNS a funcionar e conseguirmos todos ter tempo para uma refeição saudável e completa a horas decentes.

 

 

 

 

Planos para amanhã

Avatar do autor , 05.01.18

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Dizem que vem aí (ainda) pior tempo.

Que é como quem diz frio, chuva, vento, neve, granizo e todas essas coisas que nos transformam em seres enroscados em mantas, a viver em sofás, entre aquecedores e lareira, a devorar séries de televisão - para quem tem filhos o cenário não será assim tão romântico, como se sabe, mas passa por manter entretidos os miúdos dentro de 4 paredes e simultaneamente manter a sanidade mental.

E tudo isto inclui bolo Rei, porque afinal de contas amanhã é dia de Reis e há tradições a respeitar - e eu confesso que faço parte do pequeno grupo de pessoas que adora bolo Rei e frutas cristalizadas (cá em casa sou eu e a Mariana!).

Posto isto, e aproximando-se o final de sexta-feira, seria um destes cenários idealizados para sábado.

 

Só que não.

 

Dia das profissões na escola do miúdo

Avatar do autor , 20.04.17

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O mais pequeno está a falar sobre as profissões na escola. Os pais foram convidados a dar a conhecer a sua profissão, e hoje foi a minha vez de lá ir explicar o que era isto de ser médica obstetra.

Ele ajudou-me a preparar a apresentação em casa. Escolhemos umas imagens para explicar a todos os meninos este mundo dos "bebés na barriga" , e ele quis levar uma bola para os amigos perceberem que o pequeno bebé-feijão cresce até um tamanho considerável, mais ainda se forem gémeos! 

Também lhes expliquei que os bebés estavam dentro de "água" (o líquido amniótico) e que "comiam" e "respiravam" pelo cordão umbilical. Depois, brincamos aos médicos obstetras e grávidas :) e todos aprenderam a explicar às futuras mães o que podem comer, a pesá-las e a apontar os números no livro da Grávida.

Experimentaram fazer ecografias e perceberam como nascem os bebés e o que é preciso que o médico faça quando os está a ajudar a nascer.

 

Sobre o tempo que passa depressa demais (e não volta para trás)

Avatar do autor , 03.04.17

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Ora bem, sou só eu que tenho a sensação de que o tempo está a passar a uma velocidade vertiginosa?

Ainda ontem era Natal e já estamos em abril?

A verdade é que entre consultas, cirurgias, levar e buscar miúdos à escola, atividades, aproveitar dias bons, os dias e as semanas desaparecem num ápice.

Muitas vezes tento desacelerar: só aquele momento de fechar os olhos e respirar. Mas a verdade é que são poucos segundos, porque pouco depois há outra consulta para fazer ou um miúdo a chamar pela mãe, um telefonema para responder ou um compromisso inadiável.

Dou por mim, muitas vezes, a pensar como seria um mundo com calma. Sem horários nem tarefas obrigatórias. Com tempo. Tempo para tudo: para acordar, para fazer um pequenos almoço e comer com calma, em família. Tempo para aprender nas escola, sem metas curriculares nem pressão, a conversar tranquilamente sobre temas interessantes. Tempo para os pais estarem com os filhos. Tempo para os miúdos brincarem sem pressas. Tempo para não fazermos nada e só ficarmos a sentir o quente do sol na pele e a brisa a soprar no cabelo. Tempo para adormecer com os dois no colo, no sofá, depois de uma história daquelas grandes, que lemos durante vários dias, mas que nunca nos apetece parar.

Já tentei mil e uma maneiras para ter mais tempo, mas sinto que ele me escapa por entre os dedos. Sinto que a vida passa depressa demais. Tenho a sensação de estarmos neste carrossel colorido, que tomou balanço e anda cada vez mais depressa.

 

 

 

 

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